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25 março 2014

Uma caixinha democrática

 Desde junho de 2013 a democracia no Brasil tem sido colocada em discussão. Milhares de pessoas em todo país saíram às ruas com suas reivindicações. Há uma percepção geral de que as pessoas não se sentem mais representadas por aqueles que estão nos cargos de decisão. Todos querem dizer sua palavra.
A escola não poderia estar alheia a tudo isto. Há muito tempo que esta crise, esta desconfiança, se lança sobre as instituições de ensino. Se tornaram comuns as notícias tratando de agressões, violências e intolerância dentro de escolas. É comum se ouvir que os professores “perderam a autoridade”.
O livro “A Caixa de Perguntas: Desafio vivo em sala de aula” (Ed. Libretos) não tem a pretensão de analisar este contexto, mas surge num momento privilegiado e acaba por pensá-lo na prática. Trata-se de uma experiência de sala de aula que mexe diretamente com a questão democrática, com o direito à palavra e com a importância do diálogo para a sociedade.
A sala de aula é um microcosmo que espelha muito do que acontece no país. Nela desaguam as tensões sociais todas. E por que não nascer nela a bela subversão das palavras? Com a prática da “caixinha” todas as vozes têm espaço, mesmo aquelas proferidas por quem não se sente à vontade para dizer-se em público. O anonimato das perguntas traz muitos temas de ordem pessoal, que na leitura para o grande grupo se descobrem de interesse de todos e todas.
Uma das grandes conquistas do livro foi ele ter chego até os chamados “neoleitores”. Todos os dias ouço relatos de pessoas que me dizem “é a primeira vez que leio um livro até o fim”, ou “foi a primeira vez que li um livro”. Este, para mim, é o maior sucesso do livro. Por outro lado, não deixa de causar uma certa estranheza o espanto com a caixa de perguntas, tratada como criação do autor. O diálogo é tão antigo quanto a humanidade, e a abertura para ele nas salas de aula deveria ser lugar-comum e não algo inusitado e “original”.
A emoção dos/as estudantes ao ler o livro também é algo tocante. Há uma grande identificação com as temáticas trazidas, sobretudo porque é a própria voz deles e delas que está posta. Esta provavelmente deva ser uma das poucas obras que traz a fala de adolescentes da periferia de forma explícita. Embora existam muitos estudos sobre temas relacionados a este grupo, não é comum que sua realidade e pontos de vista apareçam de forma tão crua.
Famílias inteiras leem o livro, o que não deixa de ser espantoso. Os filhos se reconhecem nas perguntas, às vezes até nas suas próprias (no caso de meus alunos/as). E pais e mães têm na leitura um acesso privilegiado à mentalidade dos adolescentes, suas ansiedades, apelos e linguagens. O diálogo, que começa na sala de aula, chega até em casa. Nada mais democrático.


Elenilton Neukamp



Foto: Clô Barcellos
  

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